O (talvez) curto acordo entre o Tribunal Superior
Eleitoral e a Serasa não é apenas parte do folclore político brasileiro. Revela
ao mesmo tempo o alto valor dos dados de identificação de pessoas na era
digital e o baixo valor da confiança do cidadão brasileiro para o poder
público.
Pelo acordo, os dados de 141 milhões de
eleitores ficariam à disposição da empresa de cadastro em troca da concessão de
mil certificados e-CPF, que servem para autenticar documentos digitalmente. A
Serasa cobra R$ 310 por token, o que significa que a privacidade de cinco
brasileiros vale apenas R$ 0,01 aos olhos de quem fez o acordo.
Isso contrasta com as cada vez mais poderosas
empresas digitais para as quais dados pessoais valem ouro. É por isso que o
Facebook insiste tanto em saber --com a bênção do programa Prism, da NSA--
quando e em qual escola você fez o ensino médio, além de que filmes lhe
agradam, por exemplo.
Para as empresas digitais, isso ajuda a focar
publicidade online, ganhando fatias cada vez maiores do mercado global de
anúncios. Para comprar online, é preciso ter cartão de crédito --e, portanto,
crédito na praça. Aqui entra a Experian, uma das maiores empresas de dados
cadastrais do mundo e dona da Serasa, no Brasil. Hoje, ela obtém informações
com empresas que são suas parceiras, e tem acesso à reputação comercial da
maior parte dos brasileiros.
Lojas coletam dados fornecidos
voluntariamente pelos clientes. Órgãos públicos, por outro lado, obrigam o
cidadão a fornecer. Quem não está em dia com as urnas não pode participar de
concurso, nem renovar seu passaporte. Um amigo, dono de uma pequena empresa,
não vota há anos. Como não pretende fazer concurso público, isso não o afeta -
é sua pequena desobediência civil. Quando precisa renovar seu passaporte, ele
visita a Justiça Eleitoral para pagar R$ 3 em multas por turno de eleição não
comparecido. E acha até barato.
A partir do momento em que os dados fornecidos
obrigatoriamente ao governo passam às mãos de uma empresa de análise de
crédito, porém, existe o risco de isso ter impacto na vida de quem comete esses
pequenos atos de desobediência civil --e de, talvez, a inadimplência eleitoral
passar a equivaler à inadimplência comercial.
O registro do acordo entre TSE e Serasa no
Diário Oficial não diz como esses dados seriam usados. Em nota à imprensa, a
Serasa afirma que todas as informações são públicas na internet. Mais ou menos;
para consultar a situação eleitoral, é preciso saber nome completo e data de
nascimento. A Serasa também teria acesso facilitado a outros dados, como o nome
da mãe --que ajuda a diferenciar duas pessoas de nome comum nascidas no mesmo
dia.
Mais ainda: da mesma forma como o acordo foi
oficializado aparentemente sem o conhecimento da presidente do tribunal,
ministra Cármen Lúcia, quem garantiria ao eleitor que o acordo não sofreria
emendas mais adiante para garantir acesso a dados biométricos (há um
recadastramento nacional em curso) e sabe-se lá quais outros?
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